"A arte é a contemplação: é o prazer do espírito que penetra a natureza e descobre que ela também tem uma alma. É a missão mais sublime do homem, pois é o exercício do pensamento que busca compreender o universo, e fazer com que os outros o compreendam." (Auguste Rodin)

segunda-feira, 29 de abril de 2013

1ª SÉRIE - 1ª UNIDADE - TEXTO 1 - 2013


O QUE É CULTURA

Considerando, em primeiro lugar, o conceito amplo ou antropológico, cultura é o modo como indivíduos ou comunidades respondem às suas próprias necessidades e desejos simbólicos. O ser humano, ao contrário dos animais, não vive de acordo com seus instintos, isto é, regido por leis biológicas, invariáveis para toda a espécie, mas a partir da sua capacidade de pensar a realidade que o circunda e de construir significados para a natureza, que vão além daqueles percebidos imediatamente. A essa construção simbólica, que vai guiar toda ação humana, dá-se o nome de cultura.
A cultura, nesse sentido amplo, engloba a língua que falamos, as idéias de um grupo, as crenças, os costumes, os códigos, as instituições, as ferramentas, a arte, a religião, a ciência, enfim, todas as esferas da atividade humana. Mesmo as atividades básicas de qualquer espécie, como a reprodução e a alimentação, são realizadas de acordo com regras, usos e costumes de cada cultura particular. Os rituais de namoro e casamento, os usos referentes à alimentação (o que se come, como se come), o preparo dos alimentos, o tipo de roupa que vestimos, a língua que falamos, as palavras de nosso vocabulário, tudo isso é regulado pela cultura à qual pertencemos. A função da cultura é tornar a vida segura e contínua para a sociedade humana. Ela é o "cimento" que dá unidade a um certo grupo de pessoas que divide os mesmos usos e costumes, os mesmos valores. 

Deste ponto de vista, portanto, podemos dizer que tudo o que faz parte do mundo humano é cultura. 
No caso do Brasil, temos contribuições culturais da colonização pelos portugueses, dos povos indígenas que habitavam estas terras, dos africanos que foram trazidos como escravos, dos imigrantes italianos, alemães, japoneses, coreanos. O que mantém a unidade, entretanto, entre essas várias culturas é a ocupação de um mesmo território, o uso da mesma língua, o compartilhamento de uma mesma história nacional. 
É possível, entretanto, falar também de cultura caipira, cultura rural, cultura sertaneja, cultura urbana, cultura nordestina, cultura paulista, cultura carioca e assim por diante, apenas considerando a diversidade geográfica do país e os diferentes tipos de vida de cada um desses grupos.

Ao falar de cultura, é possível fazer um corte no sentido amplo do termo e referir-se apenas a alguns aspectos da produção humana, ligados às diferentes práticas artísticas: pintura, dança, música, teatro, literatura, cinema, vídeo, escultura, entre outras. Essa produção cultural, além do caráter simbólico que toda cultura tem, existe independentemente das relações utilitárias e funcionais. Um vaso grego, por exemplo, extrapola o valor utilitário de objeto para guardar água, vinho ou óleo. Esse vaso era feito para aparecer, para figurar entre as coisas do mundo, apoderando-se da atenção do espectador, comovendo-o, revelando significados internos que sobrevivem a cada geração. É o reflexo de uma civilização que prezava a simetria, a beleza ideal, o culto aos deuses, a perfeição do fazer artístico e artesanal.
Uma obra de arte nos traz um novo conhecimento de mundo. Esse conhecimento não é lógico e racional, mas intuitivo, concreto e imediato, na medida em que nos faz compreender um sentimento de mundo. Voltando ao exemplo do vaso grego, podemos perceber que ele nos transmite o sentimento de um mundo simétrico, proporcional, razoavelmente estável e seguro. Já uma obra de arte contemporânea, como o videoclipe, revela a velocidade da vida contemporânea (com mudanças bruscas de cena), a fragmentação e a falta de sentido aparente.
A obra de arte, para ter esse efeito sobre nós, apresenta um modo novo de ver a realidade, porque ela não se refere necessariamente ao que de fato existe. A arte não representa o mundo como ele é, mas como poderia ser. Para isso, ela inova em termos de materiais – por exemplo, uma escultura hoje pode ser construída a partir da luz e não de materiais tradicionais como a madeira, a pedra ou o metal; ou uma obra "desenhada" com cortes sobre a tela, em vez da tinta. Inova em temas, inova em estilos e linguagens, cria novos códigos para ser fiel à sua função de evocar um sentimento de mundo.
Aprendizado cultural - Uma vez que a cultura é uma construção de grupos humanos, anterior a cada um de nós, precisamos aprender os modos de nossa cultura. Esse aprendizado se inicia no momento em que nascemos dentro do ambiente em que vivemos, com todas as pessoas responsáveis por cuidar de nós. Aprendemos por imitação, por tentativa e erro, castigo e premiação. Aprendemos por meio das palavras, mas também por meio dos comportamentos e atitudes dos outros. Tudo isso diz respeito apenas à cultura de origem, ou seja, à cultura à qual a criança pertence. Ela conhece somente um modo de cultura, o seu, que se torna sua "segunda pele" e é encarada como o modo "normal", único mesmo, de fazer as coisas, de se comportar.
Nesse sentido, a cultura é importante para o funcionamento do grupo, e o aprendizado cultural é indispensável para que cada indivíduo se adapte ao seu grupo. Entretanto, é de extrema importância que cada um também aprenda a contribuir para a sua cultura, criando idéias, objetos, ferramentas, colaborando no desenvolvimento de várias linguagens, enfim, mantendo sua cultura viva e adequada às necessidades do grupo.
Do mesmo modo, é preciso aprender a interpretar a arte, seja ela um filme, uma peça teatral, um espetáculo de música, dança, circo, artes visuais, performance, happening uma vez que a arte é um dos modos humanos de atribuir significados ao mundo.
Aprende-se arte convivendo com obras de arte e, ainda, pelo estudo da história da arte e das linguagens artísticas, bem como pelo estudo da estética, isto é, dos diversos conceitos de valor e arte.
A cultura, portanto, é o que torna a vida humana possível no mundo. Ela é, ao mesmo tempo, um produto já elaborado pelas gerações que nos precederam, e um processo contínuo de adaptação dessa herança recebida a novos modos de vida, novos problemas, novas necessidades. E, nesse processo, a arte, por não ter utilidade prática imediata, é um campo privilegiado de experimentações, de crítica, até mesmo de denúncia de práticas sociais ultrapassadas. Por meio das obras de arte, é possível vislumbrar outros valores importantes para a vida humana.

Adaptação do Texto original da Profa. Dra. Maria Helena Pires Martins
www.educarede.org.br- consulta ao site dia 11/02/2011


2ª SÉRIE - 1ª UNIDADE - TEXTO 1 - 2013

 QUATRO LETRAS: A LÍNGUA DO MUNDO

Entre todas as linguagens, a arte – “quatro letras: a língua do mundo” – é a linguagem de um idioma que desconhece fronteiras, etnias, credos, épocas. Seja a linguagem das obras de arte daqui, seja de outros lugares, de hoje, de ontem, ou daqueles que estão por vir, traz em si a qualidade de ser a linguagem cuja leitura e produção existe em todo o mundo e para todo o mundo.
Pensar a arte é, então, pensar na leitura e produção na linguagem da arte, o que por assim dizer, é um modo único de despertar a consciência e novos modos de sensibilidade. Isso pode nos tornar mais sábios, seja sobre nós mesmos, o mundo ou as coisas do mundo, seja sobre a própria linguagem da arte.
Como toda e qualquer linguagem, a arte tem códigos, e cada linguagem da arte tem seu código, isto é, um sistema estruturado de signos. Assim, o artista, no seu fazer artístico, opera com elementos da gramática da linguagem da arte com liberdade de criação, utilizando-os de forma incomum.
Por não haver regras fixas no modo de produção de arte, o artista desvenda infinitas combinatórias num certo jogo com a linguagem. Articulando os elementos que já fazem parte de seu repertório pessoal de uso do código às novas descobertas de sua pesquisa, o artista produz sua própria linguagem da arte.
Desde a época em que habitava as cavernas, o ser humano vem manipulando cores, formas, gestos, espaços, sons, silêncios, superfícies, movimentos, luzes, etc., com a intenção de dar sentido a algo, de comunicar-se com os outros.
A comunicação entre as pessoas e as leituras do mundo não se dão apenas por meio da palavra. Muito do que sabemos sobre o pensamento e o sentimento das mais diversas pessoas, povos, países, épocas, são conhecimentos que obtivemos única e exclusivamente por meio de suas músicas, teatro, poesia, pintura, dança, cinema, etc. Como entender tais linguagens?
Não é raro que alguém, frente a uma tela ou numa sala de concertos, teatro, cinema, diga: “Isso é pintura?” Esta confusão de borrões até eu faço!”; “Isto é música? Uma barulheira infernal!”; “Opera? Me dá sono!”; Não entendi nada.
Na verdade, na maioria das vezes não entendemos nada, mesmo. Algo semelhante ocorre quando cai em nossas mãos um livro com textos em árabe, chinês, grego ou qualquer outro idioma que não compreendemos. Nossa reação é idêntica: “Não entendi nada, não sei ler esta língua!”
Para nos apropriarmos de uma linguagem, entendermos, interpretarmos e darmos sentido a ela, é preciso que aprendamos a operar com seus códigos. Do mesmo modo que existe na escola um espaço destinado à alfabetização na linguagem das palavras e dos textos orais e escritos, é preciso haver cuidado com a alfabetização na linguagem da arte.
É por meio delas que poderemos compreender o mundo das culturas e o nosso eu particular. Assim, mais fronteiras poderão ser ultrapassadas pela compreensão e interpretação das formas sensíveis e subjetivas que compõem a humanidade e sua multiculturalidade, ou seja, o modo de interpretação entre grupos étnicos e, em sentido amplo, entre culturas.
A Arte é uma forma de criação de linguagens – a linguagem visual, a linguagem musical, a linguagem cênica, a linguagem da dança e a linguagem cinematográfica, entre outras.
Toda a linguagem artística é um modo singular de o homem refletir – reflexão/reflexo – o seu estar-no-mundo. Quando o homem trabalha nessa linguagem, seu coração e sua mente atuam juntos em poética intimidade.
Como toda a obra de arte é uma forma sensível que chega a nós pela criação de “formas simbólicas do sentimento humano” (Langer, 1980), a linguagem da arte propõe um diálogo de sensibilidade, uma conversa prazerosa entre nós e as formas de imaginação e formas de sentimento que ela nos dá.
Nessa conversa, os signos artísticos são “apresentações” de metáforas aos nossos sentidos.
Na letra da música “Metáfora”1981, de Gilberto Gil, por exemplo, pode-se ler a bela exposição sobre a metáfora sendo a própria poética.
Metáfora (Gilberto Gil)
Uma lata existe para conter algo
Mas quando o poeta diz:”Lata”
Pode estar querendo dizer o incontível

Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: “Meta”
Pode estar querendo dizer o inatingível

Por isso, não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Pois ao poeta tudo nada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha a caber
O incabível

Deixe a meta do poeta, não discuta
Deixe  sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta



O objeto artístico é ele próprio, uma metáfora. E, por isso, se faz imagem que mostra de outro modo aos nossos sentidos o pensamento/sentimento das coisas, resgatando em nós uma surpresa ao vê-las.
Como intérpretes do objeto artístico – “na lata do poeta tudo ou nada cabe” -, somos impulsionados pela emoção nascida do sentimento estático a produzir interpretes – “não se meta a exigir do poeta que determine o conteúdo em sua lata” -, estabelecendo analogias a partir das nossas memórias pessoais e culturais.
Na leitura do que pode ser a obra, atribuímos a ela um sentido que ressoa significações em nós, “pois ao poeta cabe fazer com que na lata venha a caber o incabível” – Por ser metáfora, a obra não traz uma resposta: mas cabe fazer  com que na lata venha a caber o incabível” -, Por ser metáfora, a obra não traz uma resposta: mas provoca em nós uma profusão de perguntas que nos faz extrair dela novos, diferentes e mais profundos significados do que o nosso olhar contaminado pelo cotidiano vê sobre nós mesmos, o mundo ou as coisas do mundo.
MARTINS, M.C.; PICOSQUE, G.; GUERRA, M. T. Didática do Ensino de Arte: A Língua do Mundo: Poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998.