A beleza vem da emoção que temos diante de uma obra
de arte quando percebemos o que o artista tenta transmitir. A beleza vem também
da sensação de conseguirmos ver o mundo da maneira que pensamos ter sido a
intenção do artista. O belo se constitui, assim, tanto por uma emoção
despertada como por sua correspondência com uma ideia transmitida.
E de onde veio essa ideia de “boniteza”, relacionada
com o alegre, o agradável, o saudável? Isso teve origem na Grécia, na
Antiguidade clássica, mais ou menos no século a.C., quando Atenas era uma
cidade importantíssima. A arte que lá se fazia pretendia expressar um ideal de
beleza e vida por meio de composições nas quais predominassem a harmonia, a
simetria, o equilíbrio e a proporcionalidade. Foi essa arte que inspirou vários
movimentos artísticos desde o Renascimento até a Idade Moderna. Por ser
considerada um modelo, essa arte com seus critérios e princípios foi chamada de
clássica e, pela importância que teve, acabou disseminando pelo mundo seu ideal
de beleza, que passou a ser visto como universal. Assim, muitas pessoas passaram
a julgar belas apenas as manifestações artísticas agradáveis, harmoniosas e que
mostram o mundo não como ele é, mas como deveria ser.
Daí a se confundir beleza com critérios de
aparência, com proporcionalidade de medidas e com equilíbrio de formas foi um passo.
E, assim, passamos a misturar prazer estético que é a uma emoção profunda e
sutil com o prazer de olhar ou ouvir formas e composições agradáveis. Essas
idéias tiveram muito sucesso, popularizaram-se e, até hoje, muita gente pensa
que o belo deve necessariamente ser harmonioso, agradável, saudável e alegre.
Alguns fatores vieram ainda consagrar a
identificação da beleza com os padrões clássicos de harmonia, simetria e
proporcionalidade. Um deles foi a indústria cultural, que acabou por
popularizar esses conceitos. A fotografia, o cinema, o vídeo e a televisão
perpetuaram esses ideais mesmo quando já ultrapassados em relação à arte e ao
gosto da crítica.
Outro fator que contribuiu para que se associasse
beleza a sensação de leveza e harmonia foi o desenvolvimento da indústria de
lazer e do entretenimento. À medida que os espetáculos artísticos se
estabeleceram em dias e horas de descanso e diversão, parecem ter adquirido
como características a alegria, a distração e o disfarce das dificuldades e das
imperfeições. Estava assim afastada a possibilidade de uma beleza que pudesse
ser profunda, crítica e inquietante.
Escolas artísticas posteriores ao Classicismo,
entretanto, defenderam o principio de uma beleza que pressupõe o agressivo, a
desarmonia e até o disforme. Os artistas mostraram que, muitas vezes, a
desordem e o desequilíbrio são mais capazes de transmitir emoções e estimular o
pensamento crítico do que as composições que procuram submeter a realidade a um
ideal. Será possível falar de guerra, de revolução e da sensação que despertam
através de imagens nas quais predominam o equilíbrio e a harmonia? Mesmo que
seja possível, a beleza não resulta desses princípios, mas da transformação de
uma forma peculiar de ver e interpretar o mundo, da ideia que, transposta para
a obra, se reconstitui na mente do espectador – parte integrante da arte.
O que é belo é uma qualidade das obras de arte, que
desperta uma emoção à qual estão associados os sentimentos e as ideias do
artista e a identidade que ele é capaz de estabelecer com o público. Que essa
emoção resulte de uma composição aparentemente bonita ou feia, isso é
secundário, está relacionado com o movimento artístico ao qual o artista
pertence e com a ideia que ele quer transmitir. A emoção do belo depende de vários
fatores, como nossa cultura e nossa geração, e não está restrita àquelas
manifestações que, comumente, consideramos bonitas. A beleza sentida como
emoção despertada por uma ideia e uma interpretação do mundo que somos capazes
de captar, pode ser transmitida por imagens fortes e até desagradáveis em sua
aparência.
Quando conseguimos identificar como estética a
emoção que uma obra nos desperta, esse momento constitui o que Frederico Morais
chamou de insight. Embora nossa
percepção venha de impressões obtidas no momento em que uma obra nos é
apresentada, o deleite que ela proporciona pode vir com o tempo, de um saborear
demorado, de uma espécie de degustação. À vezes esse momento chega depois de
certas experiências e aprendizados e até de fatos que nos tornam mais sensíveis
a certas emoções.
O que caracteriza a arte é principalmente, a emoção
estética que ela desperta, emoção que depende da nossa sensibilidade moldada
pelo meio social e pela cultura na qual vivemos.
A capacidade humana de reconhecer a emoção que vem
da forma, do som, da cor, da harmonia de um gesto, ou da capacidade de
expressão de um rosto foi se desenvolvendo aos poucos. Nas sociedades mais
antigas, essas emoções estavam misturadas a outras que diziam respeito, por
exemplo, à emoção e ao poder. A emoção que um egípcio sentia diante das
pirâmides vinha, provavelmente, tanto de sua forma como de sua devoção aos
deuses e do respeito que lhe inspirava o faraó. Com o passar do tempo, o homem
começou a perceber que essas emoções têm origem e natureza diferentes de outros
sentimentos, passando então a distinguir o prazer que vem da beleza de outros
que as coisas do mundo podem despertar, como por exemplo, o prazer de fazer o
bem. Ao contrário dos egípcios antigos, nós podemos ver beleza em um templo,
independente de nossa crença, apenas pela sua contemplação estética.
Os gregos foram os primeiros a deixar registrado o
reconhecimento da emoção que vem da beleza e a consciência de sua
particularidade. Foram eles também que criaram a estética, ciência que estuda o
belo e que reflete sobre as características e condições de beleza. Assim
desenvolveu-se o conceito de arte, nome que se dá genericamente àquilo que o
homem produz com a intenção de provocar admiração e emoção estética através do
uso de recursos formais das diversas linguagens humanas.
A capacidade humana de distinguir e apreciar a
beleza em si, independentemente de outras qualidades que as coisas, as pessoas
e o mundo possam ter, data de quatro mil anos, de acordo com os vestígios que
temos das civilizações passadas. Em razão disso, arqueólogos suspeitam que as
pinturas das cavernas pré-históricas criadas muito antes disso, tenham sido
feitas para rituais ou por motivos religiosos, ou seja, para homenagear os
deuses e suplicar por favores e graças, e não para serem admiradas como arte.
A consciência do significado de beleza e da
estética, conquistas do pensamento grego, ficou como herança para os povos que
tiveram contato com essas civilizações antigas ou com aquilo que elas legaram e
que, em razão desse compartilhamento, compõem uma vasta cultura comum que
chamamos de civilização ocidental. Esses povos, tendo desenvolvido a capacidade
de perceber a qualidade estética do mundo, começaram a selecionar imagens,
objetos e sons que pareciam despertar-lhes maior encantamento. Pinturas,
músicas, encenações teatrais, danças, nas quais era perceptível a intenção de
criar beleza e emocionar esteticamente, foram consideradas arte. Diante dessa
consciência da função estética, as demais funções dessas manifestações, como
entender o público, homenagear os deuses e instruir a população, passaram a ser
secundárias. É por isso que, quando falamos de arte, estamos nos referindo, na
maioria das vezes, a essa tradição ocidental que seleciona ao longo da história
obras – objetos, músicas, literatura, formas arquitetônicas – julgadas
exemplares de acordo com o gosto de cada época.
A dinâmica da arte depende das transformações
históricas, da popularização dos estilos e do próprio desenvolvimento dos
artistas. Portanto, além de variar de uma pessoa para outra, o prazer estético
transforma-se ao longo da nossa existência e aquilo que nos encantava numa
época pode depois se tornar menos belo e, para as gerações seguintes, muitas
vezes, ultrapassado.
É importante considerar ainda que a sociedade, até
dois séculos atrás, era menor, mais simples, e as pessoas conviviam umas com as
outras de forma mais constante e por mais tempo. Atualmente, as sociedades são
mais diversificadas, as pessoas convivem com muitos grupos diferentes em idade,
sexo, interesse e riqueza, cada um deles com seus próprios modelos. Assim, há
hoje dificuldade muito maior em se estabelecer um único critério de validade
para o que é belo, mesmo para aqueles que vivem numa mesma época.
É justamente porque os critérios estéticos são
variáveis no tempo e no espaço que cada época procura eleger aquilo que melhor
representa a arte de seu tempo. É esse modelo que guia os artistas e muitas
vezes o público. Porém, mesmo com todo o apoio da crítica, das escolas, dos
governos, esse modelo aos poucos perde sua identidade com a realidade; ou
porque ela mudou ou porque o modelo perdeu seu poder expressivo.
Sabemos então que, embora a emoção estética varie de
uma pessoa para outra, de um grupo para outro e de uma época para outra, cada
período histórico elege um movimento e uma produção artística como
representativa não só de seus princípios estéticos como da cultura vigente.
Esse movimento se transforma em modelo e atinge certa unanimidade, mesmo porque
acabamos introjetando esses valores em casa, na escola e em outras situações
nas quais entramos em contato com eles. Dissemos também que a vigência desse
modelo se rompe em razão das transformações sociais, de certo “cansaço” do
público, dos próprios artistas, e até mesmo como resultado do desenvolvimento
técnico-científico.
Glossário: Disforme: monstruoso;