"A arte é a contemplação: é o prazer do espírito que penetra a natureza e descobre que ela também tem uma alma. É a missão mais sublime do homem, pois é o exercício do pensamento que busca compreender o universo, e fazer com que os outros o compreendam." (Auguste Rodin)

segunda-feira, 24 de março de 2014

3ª Série - A ESTÉTICA CLÁSSICA E A POPULARIZAÇÃO DO BONITO - 2014


         A beleza vem da emoção que temos diante de uma obra de arte quando percebemos o que o artista tenta transmitir. A beleza vem também da sensação de conseguirmos ver o mundo da maneira que pensamos ter sido a intenção do artista. O belo se constitui, assim, tanto por uma emoção despertada como por sua correspondência com uma ideia transmitida.
E de onde veio essa ideia de “boniteza”, relacionada com o alegre, o agradável, o saudável? Isso teve origem na Grécia, na Antiguidade clássica, mais ou menos no século a.C., quando Atenas era uma cidade importantíssima. A arte que lá se fazia pretendia expressar um ideal de beleza e vida por meio de composições nas quais predominassem a harmonia, a simetria, o equilíbrio e a proporcionalidade. Foi essa arte que inspirou vários movimentos artísticos desde o Renascimento até a Idade Moderna. Por ser considerada um modelo, essa arte com seus critérios e princípios foi chamada de clássica e, pela importância que teve, acabou disseminando pelo mundo seu ideal de beleza, que passou a ser visto como universal. Assim, muitas pessoas passaram a julgar belas apenas as manifestações artísticas agradáveis, harmoniosas e que mostram o mundo não como ele é, mas como deveria ser.
Daí a se confundir beleza com critérios de aparência, com proporcionalidade de medidas e com equilíbrio de formas foi um passo. E, assim, passamos a misturar prazer estético que é a uma emoção profunda e sutil com o prazer de olhar ou ouvir formas e composições agradáveis. Essas idéias tiveram muito sucesso, popularizaram-se e, até hoje, muita gente pensa que o belo deve necessariamente ser harmonioso, agradável, saudável e alegre.
Alguns fatores vieram ainda consagrar a identificação da beleza com os padrões clássicos de harmonia, simetria e proporcionalidade. Um deles foi a indústria cultural, que acabou por popularizar esses conceitos. A fotografia, o cinema, o vídeo e a televisão perpetuaram esses ideais mesmo quando já ultrapassados em relação à arte e ao gosto da crítica.
Outro fator que contribuiu para que se associasse beleza a sensação de leveza e harmonia foi o desenvolvimento da indústria de lazer e do entretenimento. À medida que os espetáculos artísticos se estabeleceram em dias e horas de descanso e diversão, parecem ter adquirido como características a alegria, a distração e o disfarce das dificuldades e das imperfeições. Estava assim afastada a possibilidade de uma beleza que pudesse ser profunda, crítica e inquietante.
Escolas artísticas posteriores ao Classicismo, entretanto, defenderam o principio de uma beleza que pressupõe o agressivo, a desarmonia e até o disforme. Os artistas mostraram que, muitas vezes, a desordem e o desequilíbrio são mais capazes de transmitir emoções e estimular o pensamento crítico do que as composições que procuram submeter a realidade a um ideal. Será possível falar de guerra, de revolução e da sensação que despertam através de imagens nas quais predominam o equilíbrio e a harmonia? Mesmo que seja possível, a beleza não resulta desses princípios, mas da transformação de uma forma peculiar de ver e interpretar o mundo, da ideia que, transposta para a obra, se reconstitui na mente do espectador – parte integrante da arte.
O que é belo é uma qualidade das obras de arte, que desperta uma emoção à qual estão associados os sentimentos e as ideias do artista e a identidade que ele é capaz de estabelecer com o público. Que essa emoção resulte de uma composição aparentemente bonita ou feia, isso é secundário, está relacionado com o movimento artístico ao qual o artista pertence e com a ideia que ele quer transmitir. A emoção do belo depende de vários fatores, como nossa cultura e nossa geração, e não está restrita àquelas manifestações que, comumente, consideramos bonitas. A beleza sentida como emoção despertada por uma ideia e uma interpretação do mundo que somos capazes de captar, pode ser transmitida por imagens fortes e até desagradáveis em sua aparência.
Quando conseguimos identificar como estética a emoção que uma obra nos desperta, esse momento constitui o que Frederico Morais chamou de insight. Embora nossa percepção venha de impressões obtidas no momento em que uma obra nos é apresentada, o deleite que ela proporciona pode vir com o tempo, de um saborear demorado, de uma espécie de degustação. À vezes esse momento chega depois de certas experiências e aprendizados e até de fatos que nos tornam mais sensíveis a certas emoções. 
O que caracteriza a arte é principalmente, a emoção estética que ela desperta, emoção que depende da nossa sensibilidade moldada pelo meio social e pela cultura na qual vivemos.
A capacidade humana de reconhecer a emoção que vem da forma, do som, da cor, da harmonia de um gesto, ou da capacidade de expressão de um rosto foi se desenvolvendo aos poucos. Nas sociedades mais antigas, essas emoções estavam misturadas a outras que diziam respeito, por exemplo, à emoção e ao poder. A emoção que um egípcio sentia diante das pirâmides vinha, provavelmente, tanto de sua forma como de sua devoção aos deuses e do respeito que lhe inspirava o faraó. Com o passar do tempo, o homem começou a perceber que essas emoções têm origem e natureza diferentes de outros sentimentos, passando então a distinguir o prazer que vem da beleza de outros que as coisas do mundo podem despertar, como por exemplo, o prazer de fazer o bem. Ao contrário dos egípcios antigos, nós podemos ver beleza em um templo, independente de nossa crença, apenas pela sua contemplação estética.
Os gregos foram os primeiros a deixar registrado o reconhecimento da emoção que vem da beleza e a consciência de sua particularidade. Foram eles também que criaram a estética, ciência que estuda o belo e que reflete sobre as características e condições de beleza. Assim desenvolveu-se o conceito de arte, nome que se dá genericamente àquilo que o homem produz com a intenção de provocar admiração e emoção estética através do uso de recursos formais das diversas linguagens humanas. 
A capacidade humana de distinguir e apreciar a beleza em si, independentemente de outras qualidades que as coisas, as pessoas e o mundo possam ter, data de quatro mil anos, de acordo com os vestígios que temos das civilizações passadas. Em razão disso, arqueólogos suspeitam que as pinturas das cavernas pré-históricas criadas muito antes disso, tenham sido feitas para rituais ou por motivos religiosos, ou seja, para homenagear os deuses e suplicar por favores e graças, e não para serem admiradas como arte.
A consciência do significado de beleza e da estética, conquistas do pensamento grego, ficou como herança para os povos que tiveram contato com essas civilizações antigas ou com aquilo que elas legaram e que, em razão desse compartilhamento, compõem uma vasta cultura comum que chamamos de civilização ocidental. Esses povos, tendo desenvolvido a capacidade de perceber a qualidade estética do mundo, começaram a selecionar imagens, objetos e sons que pareciam despertar-lhes maior encantamento. Pinturas, músicas, encenações teatrais, danças, nas quais era perceptível a intenção de criar beleza e emocionar esteticamente, foram consideradas arte. Diante dessa consciência da função estética, as demais funções dessas manifestações, como entender o público, homenagear os deuses e instruir a população, passaram a ser secundárias. É por isso que, quando falamos de arte, estamos nos referindo, na maioria das vezes, a essa tradição ocidental que seleciona ao longo da história obras – objetos, músicas, literatura, formas arquitetônicas – julgadas exemplares de acordo com o gosto de cada época.
A dinâmica da arte depende das transformações históricas, da popularização dos estilos e do próprio desenvolvimento dos artistas. Portanto, além de variar de uma pessoa para outra, o prazer estético transforma-se ao longo da nossa existência e aquilo que nos encantava numa época pode depois se tornar menos belo e, para as gerações seguintes, muitas vezes, ultrapassado.
É importante considerar ainda que a sociedade, até dois séculos atrás, era menor, mais simples, e as pessoas conviviam umas com as outras de forma mais constante e por mais tempo. Atualmente, as sociedades são mais diversificadas, as pessoas convivem com muitos grupos diferentes em idade, sexo, interesse e riqueza, cada um deles com seus próprios modelos. Assim, há hoje dificuldade muito maior em se estabelecer um único critério de validade para o que é belo, mesmo para aqueles que vivem numa mesma época.
É justamente porque os critérios estéticos são variáveis no tempo e no espaço que cada época procura eleger aquilo que melhor representa a arte de seu tempo. É esse modelo que guia os artistas e muitas vezes o público. Porém, mesmo com todo o apoio da crítica, das escolas, dos governos, esse modelo aos poucos perde sua identidade com a realidade; ou porque ela mudou ou porque o modelo perdeu seu poder expressivo.
Sabemos então que, embora a emoção estética varie de uma pessoa para outra, de um grupo para outro e de uma época para outra, cada período histórico elege um movimento e uma produção artística como representativa não só de seus princípios estéticos como da cultura vigente. Esse movimento se transforma em modelo e atinge certa unanimidade, mesmo porque acabamos introjetando esses valores em casa, na escola e em outras situações nas quais entramos em contato com eles. Dissemos também que a vigência desse modelo se rompe em razão das transformações sociais, de certo “cansaço” do público, dos próprios artistas, e até mesmo como resultado do desenvolvimento técnico-científico.
Glossário:  Disforme: monstruoso;
     Texto baseado no livro “Questões de Arte”, de Cristina Costa.



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