Entre
todas as linguagens, a arte – “quatro letras: a língua do mundo” – é a
linguagem de um idioma que desconhece fronteiras, etnias, credos, épocas. Seja
a linguagem das obras de arte daqui, seja de outros lugares, de hoje, de ontem,
ou daqueles que estão por vir, traz em si a qualidade de ser a linguagem cuja
leitura e produção existe em todo o mundo e para todo o mundo.
Pensar
a arte é, então, pensar na leitura e produção na linguagem da arte, o que por
assim dizer, é um modo único de despertar a consciência e novos modos de
sensibilidade. Isso pode nos tornar mais sábios, seja sobre nós mesmos, o mundo
ou as coisas do mundo, seja sobre a própria linguagem da arte.
Como
toda e qualquer linguagem, a arte tem códigos, e cada linguagem da arte tem seu
código, isto é, um sistema estruturado de signos. Assim, o artista, no seu
fazer artístico, opera com elementos da gramática da linguagem da arte com
liberdade de criação, utilizando-os de forma incomum.
Por
não haver regras fixas no modo de produção de arte, o artista desvenda
infinitas combinatórias num certo jogo com a linguagem. Articulando os
elementos que já fazem parte de seu repertório pessoal de uso do código às
novas descobertas de sua pesquisa, o artista produz sua própria linguagem da
arte.
Desde
a época em que habitava as cavernas, o ser humano vem manipulando cores,
formas, gestos, espaços, sons, silêncios, superfícies, movimentos, luzes, etc.,
com a intenção de dar sentido a algo, de comunicar-se com os outros.
A
comunicação entre as pessoas e as leituras do mundo não se dão apenas por meio
da palavra. Muito do que sabemos sobre o pensamento e o sentimento das mais
diversas pessoas, povos, países, épocas, são conhecimentos que obtivemos única
e exclusivamente por meio de suas músicas, teatro, poesia, pintura, dança,
cinema, etc. Como entender tais linguagens?
Não
é raro que alguém, frente a uma tela ou numa sala de concertos, teatro, cinema,
diga: “Isso é pintura?” Esta confusão de borrões até eu faço!”; “Isto é música?
Uma barulheira infernal!”; “Opera? Me dá sono!”; Não entendi nada.
Na
verdade, na maioria das vezes não entendemos nada, mesmo. Algo semelhante
ocorre quando cai em nossas mãos um livro com textos em árabe, chinês, grego ou
qualquer outro idioma que não compreendemos. Nossa reação é idêntica: “Não
entendi nada, não sei ler esta língua!”
Para
nos apropriarmos de uma linguagem, entendermos, interpretarmos e darmos sentido
a ela, é preciso que aprendamos a operar com seus códigos. Do mesmo modo que
existe na escola um espaço destinado à alfabetização na linguagem das palavras
e dos textos orais e escritos, é preciso haver cuidado com a alfabetização na
linguagem da arte.
É
por meio delas que poderemos compreender o mundo das culturas e o nosso eu
particular. Assim, mais fronteiras poderão ser ultrapassadas pela compreensão e
interpretação das formas sensíveis e subjetivas que compõem a humanidade e sua
multiculturalidade, ou seja, o modo de interpretação entre grupos étnicos e, em
sentido amplo, entre culturas.
A
Arte é uma forma de criação de linguagens – a linguagem visual, a linguagem
musical, a linguagem cênica, a linguagem da dança e a linguagem
cinematográfica, entre outras.
Toda
a linguagem artística é um modo singular de o homem refletir – reflexão/reflexo
– o seu estar-no-mundo. Quando o homem trabalha nessa linguagem, seu coração e
sua mente atuam juntos em poética intimidade.
Como
toda a obra de arte é uma forma sensível que chega a nós pela criação de
“formas simbólicas do sentimento humano” (Langer, 1980), a linguagem da arte
propõe um diálogo de sensibilidade, uma conversa prazerosa entre nós e as
formas de imaginação e formas de sentimento que ela nos dá.
Nessa
conversa, os signos artísticos são “apresentações” de metáforas aos nossos
sentidos.
Na
letra da música “Metáfora”1981, de Gilberto Gil, por exemplo, pode-se ler a
bela exposição sobre a metáfora sendo a própria poética.
Metáfora (Gilberto Gil)
Uma lata existe para conter algo
Mas quando o poeta diz:”Lata”
Pode estar querendo dizer o incontível
Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: “Meta”
Pode estar querendo dizer o inatingível
Por isso, não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Pois ao poeta tudo nada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha a caber
O incabível
Deixe a meta do poeta, não discuta
Deixe sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
O objeto artístico é ele próprio, uma metáfora. E, por isso,
se faz imagem que mostra de outro modo aos nossos sentidos o
pensamento/sentimento das coisas, resgatando em nós uma surpresa ao vê-las.
Como intérpretes do objeto artístico – “na lata do poeta
tudo ou nada cabe” -, somos impulsionados pela emoção nascida do sentimento
estático a produzir interpretes – “não se meta a exigir do poeta que determine
o conteúdo em sua lata” -, estabelecendo analogias a partir das nossas memórias
pessoais e culturais.
Na leitura do que pode ser a obra, atribuímos a ela um
sentido que ressoa significações em nós, “pois ao poeta cabe fazer com que na
lata venha a caber o incabível” – Por ser metáfora, a obra não traz uma
resposta: mas cabe fazer com que na lata
venha a caber o incabível” -, Por ser metáfora, a obra não traz uma resposta:
mas provoca em nós uma profusão de perguntas que nos faz extrair dela novos,
diferentes e mais profundos significados do que o nosso olhar contaminado pelo
cotidiano vê sobre nós mesmos, o mundo ou as coisas do mundo.
MARTINS, M.C.; PICOSQUE, G.; GUERRA, M. T. Didática do Ensino de
Arte: A Língua do Mundo: Poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998.
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